segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A aura da obra de arte substituída por sua existência única e distante - pela existência serial



A aura é a absoluta singularidade do ser (irrepetível).


  • “Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós"
  • "uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja
ou seja: muito além da relação catártica, a aura é uma relação com o único, com o autêntico, com o número um.

A reprodução técnica, para Benjamin, destrói a aura da obra de arte, sua unicidade, sua historicidade:
"Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra. É nessa existência única, e somente nela, que se desdobra a história da obra. Essa história compreende não apenas as transformações que ela sofreu, com a passagem do tempo, em sua estrutura física, como as relações de propriedade em que ela ingressou. Os vestígios das primeiras só podem ser investigados por análises químicas ou físicas, irrealizáveis na reprodução; os vestígios da segunda são o objeto de uma tradição, cuja reconstituição precisa partir do lugar em que se achava o original.
O aqui e agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade, e nela se enraíza uma tradição que identifica esse objeto, até nossos dias, como sendo aquele objeto, sempre igual e idêntico a si mesmo.
A esfera da autenticidade como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica, e naturalmente não apenas à técnica. Mas enquanto o autêntico preserva toda sua autoridade com relação à reprodução manual, em geral considerada uma falsificação, o mesmo não ocorre no que diz respeito à reprodução técnica”.
A reprodução técnica, por mais que deixe intacto o conteúdo, desvaloriza a aura da obra de arte original, por duas razões:
  1. “(...) a reprodução técnica tem mais autonomia que a reprodução manual. Ela pode, por exemplo, pela fotografia, acentuar certos aspectos do original, acessíveis à objetiva – ajustável e capaz de selecionar arbitrariamente o seu ângulo de observação --, mas não acessíveis ao olhar humano. Ela pode, também, graças a procedimentos como ampliação ou câmera lenta, fixar imagens que fogem inteiramente à ótica natural.
  2. "(...) a reprodução técnica pode colocar a cópia do original em situações impossíveis para o próprio original. Ela pode, principalmente, aproximar do indivíduo a obra, seja sob a forma de fotografia, seja de disco”
A perda da aura não é apenas conseqüência das novas formas artísticas e dos processos técnicos envolvidos em sua produção e recepção, é resultado também de um contexto econômico e cultural mais abrangente. Os processos históricos alteram e são alterados pelas mudanças no modo de percepção humana. Neste ponto, o texto de Benjamin e o de Adorno tratam o mesmo tema, de perspectivas distintas, pois os fatores que determinam o fim da aura são ligados ao movimento de massas.

Na aura estão incluídas as várias associações que a obra adquiriu com o tempo, testemunhos de uma existência histórica. Por isso, a perda da aura é consequência de fatores intimamente ligadas aos movimentos de massas. O primeiro fator diz respeito à superação do caráter único
dos objetos, através de sua reprodução. O segundo fator diz respeito à superação da distância necessária para fruir a aura do objeto, diz respeito a essa necessidade, cada vez maior, das massas modernas, de possuir o objeto o mais próximo possível, de fazer as coisas “ficarem mais próximas”, através da sua reprodutibilidade.

O homem contemporâneo, para Benjamim, está simplesmente “ligado” ao que o rodeia, não sendo assim possível que alcance a “correta distância” necessária para alcançar a aura. Com a realidade cada vez mais próxima, as imagens desta se tornam cada vez mais acessíveis, e por isso, mais banais. A aura, para ele, parece ser incompatível com os sonhos de consumo imediato do capitalismo.


Essa crescente necessidade das massas de “apropriar-se do objeto na imagem e na reprodução”, dá a ilusão de verdadeiramente viver os acontecimentos, o que seria positivo já que aumenta nosso conhecimento. Em contrapartida, essa proximidade ilusória, leva a nos contentarmos e acomodarmos com esta experiência enganadora, não buscando assim a experiência vivida e, somente, a mediatizada. Essa necessidade é largamente satisfeita pela televisão, por exemplo: ao assistir as telenovelas, as pessoas se projetam nas personagens e se satisfazem a partir das satisfações ali expostas, sem, ao menos, experimentá-las de fato.


A cumplicidade entre arte e consumo, a extirpação dos objetos em relação à tradição, a massificação, a sincronia substituindo a diacronia e o valor de exposição a efetuar-se na vez do valor de culto são alguns dos fenômenos que se articulam com o tema da decadência da aura.

Têm-se, portanto, decorrente da perda da aura, duas conseqüências aparentemente contraditórias: ao mesmo tempo em que se empobrece a experiência baseada na tradição, ocorre um aspecto positivo que é o favorecimento da democratização e da politização da cultura. Essa visão otimista de Benjamim, contudo, não dura muito – devido à época, que não incitava ao entusiasmo.
    “O conceito de aura permite resumir essas características: o que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua aura. Esse processo é sintomático, e sua significação vai muito além da esfera da arte. Generalizando, podemos dizer que a técnica de reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra de arte por uma existência serial. E na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido. Esses dois processos resultam em um violento abalo da tradição, que constitui o reverso da crise atual e a renovação da humanidade. Eles se relacionam intimamente com os movimentos de massa, em nossos dias. Seu agente mais poderoso é o cinema. Sua função social não é concebível, mesmo em seus traços mais positivos, e precisamente neles, sem seu lado destrutivo e catártico: a liquidação do valor tradicional do patrimônio da cultura.”.


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